segunda-feira, abril 17, 2006

Risca o sorriso

I

A passadeira negra faleceu
E os pedaços de sabor amargo,
A vontade de doença irrompeu,
A tristeza assumiu o encargo.

Roubaram tempos ao momento,
Adocicaram a boca da loucura
E ela mostrou-se ao lamento,
Mostrou-se pronta e impura

Como sempre e negra e dolorosa,
Estendeu-se nessa passadeira
De sentidos, mas nunca culposa,

A culpa só a mim me pertence,
Que a deixo desfilar ligeira
Nesse manto que me vence.

II

Nesse manto negro e pálido
Que pranteia desilusões
E que em mim procura, ávido,
Sentimentos e sensações.

Pobre manto e loucura sem culpa
Que ocupais o corpo mortal
Esse fatídico ser sem desculpa
Que por vezes cai no fatal,

Mas vá que ignorem e prossigam,
Vá que este espírito abandonem,
Vá! É cedo, pode ser que consigam.

O negro pano ilustre falecerá
E que nele, então, se aprisionem
Estes vazios que trago cá!

" Como é possível que, por vezes, um vazio pese, castigue e doa mais que um concreto? "

sexta-feira, abril 14, 2006

Se alguém tiver sequer a paxorra para começar a ler isto ...

: Como te chamas?

: Sou uma pedra da calçada, que nome achas que tenho? Sou só mais uma que pisas e nem dás conta, que nome é que eu tenho?! Sei lá!

: Desculpa, mas porque respondes assim?

: Porque não interessam mais as perguntas que as respostas? Já pensaste se alguma vez fizeste as perguntas correctas? Não, só te importas com as respostas...
Não podes sair à rua e perguntar a uma pedra da calçada como se chama, não podes olhar para as estrelas e perguntar-lhes a que distância estão de ti, não podes perguntar à lua o porquê da sua constante alteração! ...

: Então o que deveria perguntar?

: Ora aí está algo que já começa a fazer sentido, o que deverias ter perguntado. Primeiro era a ti próprio que te deverias ter perguntado acerca da necessidade de falares com uma pedra da calçada, e se sentiste essa neccessidade então porquê que a sentiste? Não faças perguntas desnecessárias, aborda o assunto com segurança ...

: Estás a ver como eu tinha razão em te perguntar o nome. Estás tão cega em seres nada que te esqueces que já aqui estás há imenso tempo, na companhia de semelhantes a ti. Quantas pedras da calçada se encontram à tua volta? Já perguntaste o nome a alguma? Podiam ser tão felizes se não tivessem medo de fazer as perguntas erradas, a alegria a espalhar-se por todos os cantos da rua. Bom quanto a mim, este pedaço de merda de cão, daqui a nada vou ser limpo e nem vou saber o nome da pedra da calçada que sujei, deixando nela a minha marca indelével. A vida passa-te ao lado e tu, como pedra que és, não a sentes e talvez nem a desejas, agora os pedaços de merda que vão, aqui e ali, salpicando as ruas, esses falam, na esperança que alguém nos ouça, nem que seja pelo cheiro e evaporamo-nos mais depressa que vocês. Pergunto-me, agora, porquê que no mundo é preciso ser-se tão frio e consistente para se viver mais tempo quando, à chegada do fim, olhamos para trás e dizemos " o quê que eu fui e com quem? " ...
Counters
Hit Counter